Autismo e genética: Por que o mistério ainda persiste? Avanços, polêmicas e o futuro da neurodiversidade

Até os anos 1970, acreditava-se que o autismo era causado por falhas na criação, especialmente por mães "frias" — uma teoria conhecida como "mãe-geladeira", proposta pelo psiquiatra Leo Kanner. Essa ideia, hoje considerada prejudicial e equivocada, foi desmentida apenas em 1977, quando estudos com gêmeos revelaram um forte componente genético. Quando um gêmeo idêntico é autista, há mais de 90% de chance de o outro também ser, enquanto em gêmeos fraternos a taxa cai para 34%. Esses dados marcaram o início da compreensão do autismo como uma condição com raízes biológicas complexas.
O papel dos genes: Mutações e variantes
Hoje, sabe-se que o autismo surge de uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Cerca de 20% dos casos estão ligados a mutações em genes específicos, como o Shank3 ou SCN2A, que afetam a formação de conexões cerebrais (sinapses). Essas mutações podem ser:
1.
"De novo": Surgem espontaneamente no embrião, sem herança dos pais.
2.
Herdadas: Transmitidas por um dos pais, que pode não apresentar autismo, mas carrega variantes genéticas que, em combinação, aumentam o risco no filho.
Para a maioria das pessoas autistas, porém, a condição resulta da interação de milhares de variantes genéticas comuns, cada uma com efeito pequeno, mas que, juntas, influenciam o desenvolvimento cerebral.
Fatores ambientais e polêmicas
Além da genética, fatores ambientais — como exposição pré-natal a poluição, pesticidas ou complicações no parto — também contribuem. No entanto, teorias pseudocientíficas, como a ligação entre vacinas e autismo, persistem, apesar de refutadas. Recentes iniciativas governamentais, como a do secretário de Saúde dos EUA Robert F. Kennedy Jr., reacenderam debates sobre a necessidade de pesquisas imparciais e baseadas em evidências.
O espectro autista: diversidade e identidade
O autismo abrange um amplo espectro, desde pessoas com deficiências intelectuais graves até aquelas que veem a neurodivergência como parte de sua identidade. Essa diversidade gera tensões:
- Para alguns cientistas, a prioridade é tratar condições graves ligadas a mutações genéticas específicas, como a síndrome de Phelan-McDermid. Ensaios com terapias genéticas (como CRISPR) e medicamentos (como lítio para o gene Shank3) estão em andamento.
- Para ativistas e parte da comunidade autista, a pesquisa genética é vista como uma ameaça, especialmente se levar a testes pré-natais que possam reduzir a população autista — um temor alimentado por experiências como a alta taxa de interrupção de gravidez em casos de síndrome de Down.
Diferenças de gênero e desafios futuros
O autismo é diagnosticado mais em homens, mas estudos sugerem que mulheres podem "mascarar" traços melhor. Pesquisas buscam entender se fatores genéticos ou hormonais explicam essa disparidade. Além disso, cientistas como Daniel Geschwind (UCLA) e Simon Baron-Cohen (Cambridge) investigam como variantes genéticas associadas ao autismo também podem estar ligadas a habilidades cognitivas específicas, como raciocínio matemático ou artístico.
Avanços e ética
A genética revolucionou o entendimento do autismo, mas desafios persistem:
- Complexidade: A interação entre genes e ambiente ainda não é totalmente compreendida.
- Diversidade: O espectro exige abordagens personalizadas, desde terapias para casos graves até apoio para quem vê o autismo como identidade.
- Ética: É crucial equilibrar a busca por tratamentos com o respeito à neurodiversidade, evitando estigmas e usos eugênicos dos dados genéticos.
Como afirma Thomas Bourgeron (Instituto Pasteur), o objetivo deve ser garantir que todas as pessoas autistas — independentemente de suas necessidades — possam viver em uma sociedade que valorize suas diferenças. A ciência avança, mas o diálogo com a comunidade autista é essencial para direcionar esses avanços de forma inclusiva e humana.