Bacalhau na sexta-feira Santa: Fé, história e costumes portugueses - Do jejum à mesa

A tradição de consumir bacalhau na sexta-feira Santa é uma prática enraizada em muitas famílias católicas brasileiras, mas sua origem vai muito além de uma simples preferência culinária. Essa tradição combina influências religiosas, históricas e culturais, especialmente vindas de Portugal, e se mantém até hoje, mesmo em meio a questionamentos sobre seu sentido prático.
A origem religiosa: Jejum e abstinência de carne
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O jejum como prática cristã: Desde os primeiros séculos do cristianismo, o jejum era visto como uma forma de penitência e reflexão sobre o sacrifício de Jesus. Na idade média, a igreja católica formalizou a abstinência de carne vermelha como parte dessa prática, especialmente durante a quaresma.
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O simbolismo do peixe: O peixe, além de ser um alimento comum na época de Jesus, ganhou significado religioso. A palavra grega para peixe, ichthys, era usada como um acrônimo para
"Jesus Cristo, filho de Deus, salvador"
, reforçando sua importância simbólica. -
A proibição da carne vermelha: No século 13, São Tomás de Aquino associou o consumo de carne ao prazer e à luxúria, defendendo que a abstinência seria uma forma de autocontrole espiritual.
A influência portuguesa e a popularização do bacalhau
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Portugal e a colonização do Brasil: Os portugueses trouxeram o bacalhau para o Brasil, especialmente após a chegada da corte real em 1808. O peixe, já popular em Portugal, era conservado em sal e durava muito tempo sem refrigeração, o que o tornava ideal para o clima tropical.
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Praticidade e tradição: Por ser um produto de longa duração, o bacalhau foi adotado não apenas na sexta-feira Santa, mas em toda a quaresma, facilitando o cumprimento do jejum de carne.
O bacalhau no Brasil: Entre a fé e o comércio
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Ressignificação cultural: O que começou como uma prática religiosa tornou-se também um hábito cultural e comercial. O bacalhau, inicialmente consumido por obrigação religiosa, acabou sendo incorporado à culinária brasileira por seu sabor e versatilidade.
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Críticas e adaptações: Alguns religiosos, como o Padre Eugênio Ferreira de Lima, questionam o custo elevado do bacalhau em comparação a outras carnes, destacando que o verdadeiro sentido do jejum deveria ser a solidariedade, não a substituição por um alimento caro.
Variações e curiosidades
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Nem todos os peixes são "peixes": Em algumas regiões, animais como jacaré, capivara e até castor já foram considerados "peixes" para fins religiosos, permitindo seu consumo durante a quaresma.
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Diferenças entre denominações cristãs: Enquanto católicos mantêm a tradição da abstinência, muitas igrejas protestantes não seguem essa prática, por não considerarem os sacramentos da penitência como obrigatórios.
O bacalhau na sexta-feira Santa é um exemplo de como tradições religiosas, condições históricas e influências culturais se entrelaçam. Sua origem está ligada à simbologia cristã, à colonização portuguesa e até mesmo a questões práticas de conservação de alimentos. Hoje, mesmo com mudanças nos hábitos alimentares e questionamentos sobre seu custo, o bacalhau permanece como um ícone da culinária brasileira nessa época do ano, unindo fé, história e sabor à mesa das famílias.