Conviver com o 'trauma' e a busca pela cura: Como o corpo armazena a dor e métodos inovadores para superá-la (baseado em Bessel van der Kolk)

O trauma é uma experiência que vai além da mente, marcando o corpo e alterando a forma como vivemos e nos relacionamos. Bessel van der Kolk, psiquiatra holandês radicado nos EUA, dedica mais de 50 anos a estudar como o trauma afeta indivíduos — desde veteranos de guerra até vítimas de abuso infantil. Sua abordagem desafia métodos tradicionais, como medicamentos e psicoterapia verbal, propondo intervenções inovadoras que envolvem o corpo e a reconexão social.
O que é trauma e como ele nos afeta?
- Definição: O trauma ocorre quando uma experiência avassaladora — como violência, abuso ou desastres — supera a capacidade de coping (adaptação), deixando a pessoa "presas" no evento.
Impacto psicofisiológico:
- Cérebro: Altera processos neurológicos, hiperativando o sistema de estresse (como o eixo HPA, responsável pela liberação de cortisol).
- Corpo: Manifesta-se em tensão muscular, insônia e até doenças crônicas. Van der Kolk destaca:
"Com o trauma, a vida vira uma série contínua de desastres, porque até as menores coisas te deixam louco".
- Comportamento: Pode levar a hipervigilância, isolamento ou vícios (álcool, drogas) como tentativa de autorregulação.
Segundo a OMS, 70% da população mundial viverá ao menos uma situação traumática. Embora nem todos desenvolvam transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), o trauma infantil é especialmente devastador, pois a criança não tem escape.
Abordagens terapêuticas inovadoras
Van der Kolk critica a dependência excessiva de antidepressivos e defende métodos que reintegrem corpo e mente:
1.
Terapias corporais:
- Ioga e massagem: Ajudam a restabelecer a conexão com o corpo, reduzindo a hipervigilância.
- EMDR (Dessensibilização por Movimentos Oculares): Reprocessa memórias traumáticas através de estímulos bilaterais.
2.
Psicodélicos assistidos:
-
MDMA e cetamina: Estudos publicados na Nature Medicine (2021) e PLOS One (2024) mostram eficácia no TEPT, mas só funcionam em contextos controlados, com terapia de apoio. Van der Kolk alerta para os riscos do uso recreativo.
-
Terapias coletivas: Grupos de apoio, inspirados em modelos como os Alcoólicos Anônimos, onde o compartilhamento de experiências promove cura.
-
Destaque cultural: Van der Kolk sugere pesquisar práticas brasileiras como capoeira e samba como ferramentas terapêuticas, já que culturas com histórias traumáticas frequentemente desenvolvem mecanismos de resiliência corporal.
Trauma infantil: Uma epidemia silenciosa
1.
Consequências: Abusos na infância afetam a autoimagem, a regulação emocional e a capacidade de formar vínculos. Crianças podem crescer sentindo-se "culpadas" ou "merecedoras" da violência.
2.
Longo prazo: Adultos que sofreram trauma infantil têm maior risco de depressão, ansiedade e até condições físicas como doenças cardíacas.
Van der Kolk enfatiza que o trauma infantil é um problema de saúde pública global, exigindo políticas de prevenção e intervenção precoce.
Trauma coletivo vs. individual
- Coletivo: Ocorre em comunidades expostas a violência sistêmica (como guerras ou pandemias). Exemplo: Profissionais de saúde durante a COVID-19 ou palestinos em zonas de conflito.
- Individual: Depende da percepção e recursos de cada um. Nem todos que vivem a mesma situação desenvolvem trauma.
Recomendações para sobreviventes
- Fale sobre o trauma: Romper o silêncio é crucial, especialmente em casos de abuso familiar.
- Conecte-se com outros: Grupos de apoio oferecem validação e estratégias práticas.
- Movimente-se: Atividades que envolvam o corpo (dança, esportes) ajudam a restabelecer a sensação de controle.
Um chamado para a cura integral
O trabalho de van der Kolk revela que o trauma exige uma abordagem multidimensional — que una mente, corpo e comunidade. Seu ceticismo em relação aos tratamentos convencionais não é uma rejeição, mas um convite para explorar métodos mais holísticos. Enquanto a ciência avança com psicodélicos e neuroimagem, ele lembra que a empatia e a segurança relacional são bases inegociáveis para a recuperação.