Análise: Bolsonaro e a estratégia da vitimização - Como o ex-presidente usa anistia e narrativa de perseguição para evitar a justiça

O ex-presidente Jair Bolsonaro tem adotado uma narrativa de vitimização e campanha por anistia como forma de enfrentar as acusações judiciais que pesam contra ele. Essa estratégia, analisada por Beto Vasques, diretor do Instituto Democracia em Xeque e professor da FESPSP, busca reconfigurar a percepção pública sobre sua responsabilidade na tentativa de golpe de Estado em 2023. O artigo destaca como Bolsonaro tenta se apresentar como perseguido político, questionando a imparcialidade do Judiciário e mobilizando aliados para pressionar por anistia.
A estratégia de vitimização e negação
1.
Bolsonaro repete um padrão já visto nas eleições de 2022: questionar a legitimidade das instituições para justificar sua narrativa de injustiça.
2.
Ele nega as provas do processo (como a minuta do golpe, depoimentos militares e planos como o "Punhal Verde Amarelo"), assim como fez com as urnas eletrônicas.
3.
Seu discurso atual foca em descredibilizar o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente o ministro Alexandre de Moraes, comparando-o ao que fez com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições.
Essa tática busca evitar uma condenação ao transferir o debate do mérito das acusações para uma suposta perseguição política.
O pedido de anistia como autoproteção
-
Bolsonaro defende a anistia como "gesto de pacificação", mas o objetivo real é evitar a prisão.
-
Seus atos públicos, como o evento em São Paulo em abril de 2025, testam a lealdade de aliados (como governadores e presidenciáveis) para garantir apoio futuro a um eventual perdão presidencial.
-
A estratégia lembra a de Donald Trump, que prometeu anistia aos envolvidos no ataque ao Capitólio caso retorne ao poder.
A anistia, se concedida, poderia minar a responsabilização por crimes contra a democracia, criando um precedente perigoso.
A dimensão internacional do "Plano B"
-
Enquanto no Brasil Bolsonaro pressiona por anistia, seu filho Eduardo atua nos EUA para angariar apoio da extrema-direita americana.
-
O objetivo é assegurar asilo político ou pressionar o governo Trump a intervir no caso brasileiro, caso o ex-presidente precise fugir antes de uma condenação.
Isso demonstra que a estratégia não se limita ao campo político-doméstico, mas busca respaldo internacional.
A manipulação de símbolos e falsas equivalências
- Aliados como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) comparam os golpistas de 8 de janeiro a ícones como Rosa Parks, distorcendo o contexto histórico.
- Tentam equiparar a invasão do Congresso a protestos do MST, ignorando que o objetivo dos bolsonaristas era derrubar o Estado Democrático de Direito.
- A narrativa busca humanizar os acusados, tratando-os como "vítimas de perseguição".
Essas comparações são falaciosas, pois ignoram a natureza violenta e antidemocrática do 8 de janeiro.
A chantagem institucional e o foco no STF
-
Bolsonaro e seus aliados pressionam o Congresso e o STF com discursos de "reconciliação nacional", buscando anistia antes mesmo de uma sentença.
-
O alvo principal não é o governo Lula, mas o Judiciário, especialmente Alexandre de Moraes. Isso revela que a prioridade é deslegitimar as instâncias que podem condená-lo.
A estratégia lembra a de Lula durante a Lava Jato, mas com uma diferença crucial: Bolsonaro não afirma inocência, mas pede anistia antecipada, o que sugere reconhecimento tácito de culpa.
Impacto
- A análise mostra que Bolsonaro está menos preocupado em provar sua inocência e mais em evitar consequências jurídicas. Sua estratégia combina vitimização, pressão política e busca por anistia, tanto no Brasil quanto no exterior. Ao questionar instituições e criar falsas narrativas, ele tenta reescrever os eventos de 8 de janeiro como "protestos legítimos", apesar das evidências de um golpe planejado.
- Se bem-sucedida, essa tática pode enfraquecer a Justiça e a democracia, ao normalizar crimes políticos em troca de conveniência partidária. No entanto, a quantidade de provas e o fortalecimento das instituições até agora têm sido obstáculos para seus planos.