Comércio global em crise: Uma chance do Brasil brilhar como protagonista?

O que parecia uma simples disputa comercial entre Estados Unidos e China evoluiu para uma ofensiva mais ampla contra a ordem global estabelecida desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A nova escalada tarifária, impulsionada por decisões unilaterais do governo norte-americano, representa uma tentativa de reconfiguração forçada das regras do comércio internacional. Essa transformação abre brechas significativas para que países com potencial estratégico, como o Brasil, assumam papéis mais relevantes no cenário global.
Estados Unidos abandonam previsibilidade e mergulham na instabilidade
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Sob a liderança de Donald Trump, os Estados Unidos transformaram tarifas alfandegárias em instrumentos de chantagem política, elevando tributos sobre produtos chineses a patamares de até 145%. A justificativa usada, como o combate ao fentanil, revela-se apenas uma cortina de fumaça para ações com efeitos globais.
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As consequências foram imediatas: quedas sucessivas nos principais índices de Wall Street (Nasdaq, Dow Jones e S&P 500), crescente desconfiança dos investidores e reações negativas em diversos setores econômicos. O próprio Trump admitiu que a transição teria "efeitos colaterais", mas se recusa a assumir responsabilidade pela instabilidade que provocou.
China responde com firmeza e foco diplomático
- A resposta da China, apesar das perdas iniciais, foi estratégica. Além de estabelecer tarifas retaliatórias entre 84% e 125% para produtos americanos, o país reforçou laços diplomáticos, especialmente com a Índia e países europeus. A diplomacia chinesa sinaliza estabilidade e oferece uma "abertura de alto nível" a novos parceiros comerciais, fortalecendo o BRICS Plus e reposicionando a Ásia como protagonista na governança global.
Europa se divide, perde coesão e espaço
- A União Europeia mostra fragilidade. Enquanto países como Alemanha, Espanha e Itália pressionam por pragmatismo e acordos com a China, Bruxelas reage de forma inconsistente. A suspensão de contramedidas às tarifas norte-americanas ilustra essa desorientação. Com isso, o bloco perde competitividade, como mostra o caso das exportações espanholas de azeite que cederam espaço ao Marrocos no mercado dos EUA.
Oportunidade para o Brasil: De exportador a formulador de normas
- Nesse cenário de ruptura e rearranjo, o Brasil não pode mais operar apenas como fornecedor de matérias-primas. O país tem posição privilegiada: mantém diálogos abertos com China, Estados Unidos e União Europeia, é parte dos BRICS, possui peso regional e uma estrutura produtiva sólida. No entanto, para se destacar, precisa mais do que boas relações: deve liderar a formulação de normas técnicas, a regulação da inteligência artificial, a definição de padrões digitais e a governança energética e monetária do século XXI.
Neutralidade passiva não é mais uma opção
- A retórica de equilíbrio entre potências não é mais suficiente. O mundo atual não se divide entre ideologias, mas entre quem dita as regras e quem apenas reage a elas. Permanecer como mero espectador é, na prática, abrir mão de influência. O Brasil precisa de uma agenda propositiva, baseada em soberania tecnológica, autonomia regulatória e investimentos em infraestrutura e energia.
Multipolaridade como missão estratégica
- A multipolaridade deixou de ser um conceito para se tornar uma disputa concreta. Liderar uma coalizão por comércio justo, financiamento sustentável e governança multipolar é a única forma do Brasil evitar irrelevância internacional. Essa coalizão deve se distanciar da lógica de dominação do século XX e promover um novo modelo de relações internacionais.
A guerra tarifária em curso entre Estados Unidos e China redefine as bases do comércio global e expõe a fragilidade das antigas potências em manter a credibilidade internacional. A China se mostra firme e estratégica, enquanto os Estados Unidos enfrentam uma crise de confiança. A Europa se vê dividida e vulnerável. No meio desse cenário caótico, o Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica: assumir liderança regional e global, abandonar a neutralidade passiva e se posicionar como protagonista na construção de uma nova ordem internacional mais justa, estável e multipolar.
Se quiser ser ouvido, o Brasil terá que falar alto — e com coerência.